Publicação fixa: Argumentos lógicos X tratados teológicos

Meus textos questionando o sistema religioso e as mentiras do cristianismo são sempre com argumentos de raciocínio lógico, porque para mim vale o que está escrito sem interpretações humanas, sem oráculos para traduzir o texto... Continue lendo.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Dízimo ou mensalidade do clube?

Interessante que praticamente todas as pessoas que ainda estão no sistema religioso e compartilham comigo sua insatisfação e fazem muitas perguntas sobre minha vida fora do sistema, todas elas me perguntam se eu entrego o dízimo e onde entrego, e a pergunta sempre vem com voz de medo. E quando respondo que não entrego dízimo ou ofertas em nenhuma instituição religiosa, a pessoa me olha com olhar mais espantado possível.

Só posso pensar que as ameaças nos púlpitos estão fazendo efeito e as pessoas ficam realmente com medo de serem amaldiçoadas se não entregarem o dízimo e ofertas.

Mas o que me chama a atenção é que essas mesmas pessoas não percebem que as promessas de bênçãos que os líderes religiosos fazem para quem abre a carteira não são cumpridas. Os membros procuram ser fiéis na entrega de seus recursos, mas as bênçãos que os líderes dizem que vão segui-los passam bem longe deles. Porque continuam endividados, os familiares continuam enfermos, os problemas só pioram. E eles não enxergam isso. Sei lá, parece o povo que vive apostando nas loterias, sonhando que um dia vai ganhar.

Sei que escrevi defendendo dízimo e ofertas no meu livro  e até quero pedir perdão por isso, gostaria de poder retirar o que escrevi, porque aquilo fazia parte do que eu acreditava naquela época e agora tenho um novo entendimento, depois que desconstruí o sistema religioso.

Quando me perguntam se entrego dízimo e onde entrego, respondo que não e explico meus motivos. Mas não foi tão fácil mudar de opinião como podem pensar. Foi um processo bem longo.

Tudo começou quando li o livro Cristianismo pagão. O livro me trouxe grandes confrontos e mudanças, como já compartilhei, mas na primeira vez que li o livro, o capítulo sobre dízimo não desceu bem. Eu ficava dizendo comigo que não podia deixar de entregar dízimos e ofertas, ficava lembrando de todas as palestras que ouvi nos seminários de libertação, lembrava das minhas próprias experiências nessa área, e não conseguia aceitar o que o livro dizia. Mas guardei no meu coração e fiquei orando, como sempre faço, para que o Eterno me revelasse a verdade.

Um ano depois, quando li o livro novamente, uma parte do texto sobre dízimo fez todo o sentido para mim. Uma parte, porque não posso concordar com todo o argumento do autor, quando ele defende o pensamento religioso moderno de que a Lei foi abolida pelo Messias, mas este trecho do capítulo sobre dízimo me chamou a atenção:

“Pode-se traçar um claro paralelo entre o sistema do dízimo de Israel e o sistema moderno de tributação no Brasil. Israel era obrigado a sustentar seus funcionários públicos (sacerdotes), feriados (festivais), e pobres (estrangeiros, viúvas e órfãos) com seus dízimos anuais. A maioria dos modernos sistemas de tributação serve ao mesmo propósito.” (trecho de Cristianismo pagão)

E os “meus” argumentos começaram a pipocar na minha mente: hoje não há o templo para entregarmos as ofertas; os grupos religiosos não usam os dízimos e ofertas para ajudar pobres, viúvas e órfãos. Esse argumento sempre me incomodou, porque conhecia os bastidores do sistema e sabia como eram tratados os necessitados, porque na hora da ajudar os pobres, os líderes fazem campanhas do quilo e os que já entregaram os dízimos, ofertas, compraram na cantina etc etc, acabam sendo intimados a doar alimentos. Jamais tiram dos cofres do sistema, mas tiram do bolso dos membros.

E o mais terrível dos argumentos é que os dízimos e ofertas na época do templo eram também para sustentar os levitas, que erradamente ensinam hoje que são os músicos, mas eles faziam muito mais, inclusive cuidavam dos órfãos e das viúvas. Mas ainda que fossem os músicos, se pelo menos os grupos religiosos pagassem com dignidade aos levitas-músicos seria menos pior. Mas não o fazem, só os líderes principais e funcionários contratados recebem salário.

E percebi que contribuí a minha vida inteira com uma injustiça e fiquei muito triste. Os líderes usam textos do que eles chamam de Velho Testamento para justificar a entrega dos dízimos, ameaçam o povo com maldições terríveis, também descritas no Velho Testamento, mas não usam o dinheiro como era usado naquela época. Enfim, alguma coisa estava muito errada. Os líderes recebem gordos salários, carros, casas e são tratados como reis, mas os outros obreiros e “levitas” pagam para trabalhar. Os músicos trabalham em regime de escravidão, não podem viajar no final de semana porque o líder não libera, não podem tirar férias, não podem nada, só trabalhar, comprar e manter seus próprios instrumentos, pagar cursos, estar sempre atualizados com os cânticos mais novos, comprando CDs com seu próprio dinheiro, ufa (para citar apenas um exemplo, porque da mesma forma são os outros colaboradores, como professores de escola bíblica, líderes de crianças, de adolescentes etc). É triste, vi tudo isso acontecer várias vezes. Um tremendo absurdo e uma grande injustiça.

Percebi também que os impostos que pagamos ao governo servem para cuidar dos órfãos, viúvas e pobres, e pagar os funcionários públicos, estes sim, bem mais parecidos com os verdadeiros levitas. Se o governo faz esse papel, então o meu dízimo está sendo entregue através dos impostos – e no Brasil pagamos muito além do que a Bíblia diz para entregar. E percebi que além de tudo isso, nós brasileiros reclamamos quando pagamos impostos, ou seja, amaldiçoamos esses recursos. E a partir desse entendimento passamos a pagar impostos sem reclamar e também passamos a orar, abençoando esses impostos.

Sim, nós também procuramos fazer além disso. Temos alguns “órfãos e viúvas” que ajudamos, mas não vinculados ao sistema religioso, ajudamos pessoas próximas, amigos e familiares, sempre que possível.

Calma, isso tudo que falei é para quem quer sair do sistema e tem medo das maldições ou para quem já saiu, mas ainda se sente culpado.

Mas para quem não saiu do sistema, para quem está satisfeito com a rotina dominical e com os diversos eventos que o sistema promove, sempre aconselhamos que deve jogar conforme as regras do jogo do sistema e do grupo que resolveu seguir. Se a pessoa gosta de frequentar as atividades do sistema religioso, quer encontrar o lugar limpo, confortável, com ar-condicionado – no Rio não dá para ficar sem, rsrs – quer encontrar papel higiênico no banheiro, enfim, quer usufruir do sistema, então é totalmente justo que pague a “mensalidade do clube”. Se não vai se tornar um “espertinho” explorador, que não paga, mas aproveita do que os outros pagam. Isso não seria nada honesto. Se a pessoa decide se sujeitar à autoridade do sistema, então deve obedecer às suas regras.

Bem, esses argumentos me bastaram para tirar toda a culpa e medo por não entregar dízimos e ofertas em instituições religiosas. E termino lembrando mais uma vez que verdadeiramente conhecer a verdade tem nos libertado dos jugos dos homens. E ser livre é muito, muito, muito bom.

P.S.: Sim, há uma forma para que as bênçãos sigam você, como diz em Deuteronômio: OBEDECER. Mas não é obedecer às regras do seu grupo religioso, é obedecer à Lei do Eterno, à Torah. Então, se você quiser prosperidade e bênçãos, obedeça, principalmente guardando o shabat, DESCANSANDO no sábado e confiando que o Eterno cuida de você. E também pague seus impostos sem reclamar, não sonegue, e seja honesto nos seus negócios. Mas lembre-se da lei da semeadura e da colheita, não queira colher amanhã o que plantou hoje, leva um tempinho para a semente crescer e dar fruto.

P.S 2.: “Parece que na Israel antiga – antes de os romanos assumirem – ninguém pagava impostos propriamente ditos. Os dízimos eram os impostos. E o sistema de dízimos era tão complicado quanto um formulário de declaração de imposto de renda. Repartia-se com os sacerdotes, com os mantenedores do templo, com o próprio templo em si, com os pobres, as viúvas e os órfãos. Portanto, suponho que, ao menos por enquanto, é provável que dar o dízimo após os impostos esteja certo.” A J Jacobs, em Um ano bíblico

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