Publicação fixa: Argumentos lógicos X tratados teológicos

Meus textos questionando o sistema religioso e as mentiras do cristianismo são sempre com argumentos de raciocínio lógico, porque para mim vale o que está escrito sem interpretações humanas, sem oráculos para traduzir o texto... Continue lendo.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Luto por Realengo e a mídia e os bandidos

Sempre que vejo fotos e entrevistas de bandidos em jornais e telejornais lembro deste texto que estava em um livro da escola quando eu estava na terceira série. Muito antigamente, eu sei, mas nunca esqueci este texto, apesar de nunca mais ter lido. E hoje encontrei na internet e pude ler novamente.
Outra cena que me vem à mente quando vejo bandidos com seus mais de 15 minutos de fama é a cena do filme Cidade de Deus em que o bandido sonha em ver sua foto no jornal.
Hoje não quero mais ver os jornais. E os telejornais estou apenas ouvindo. Porque não quero ficar olhando para o rosto do atirador que fez aquela maldade com os adolescentes em Realengo.
Por favor, colegas, parem de dar voz e fama aos bandidos.

"Paulinho vai à escola à tarde, de Cadillac. Jorginho vende amendoim na boca da noite.
Oito anos, Paulinho. Nove anos, Jorginho. Reconhecendo a superioridade incrível do
negro, no bate-bola, reclamando sua colaboração, garantidora de tentos, Paulinho se
vinga depois. (...)
– Tua casa tem tapete no chão?
Resposta negativa de Jorge.
– A minha tem. Até no quarto da empregada.
E continua.
– Tem lustre de cristal?
Jorginho pergunta o que é. Paulinho explica. Jorginho não tem. Luz no seu barraco vem
dos fifós. Um vidro de sal de fruta, o outro de Phymatosan.
– Teu pai tem sítio em Petrópolis?
– Não – responde sério Jorginho.
– O meu tem... Teu pai tem usina em Campos?
– Não.
– O meu tem. Quantos apartamentos teu pai tem?
– Nenhum.
– O meu tem dez. Só em Copacabana. O resto é na Tijuca.
Jorginho baixa os olhos, acaricia o monte de areia que está juntando.
– Teu pai tem televisão?
Nos olhos de Jorginho passa uma nuvem de tristeza. Nem responde.
– O meu tem – informa Paulinho.
Apanha a bola molhada, procura limpá-la dos grãozinhos de areia, pergunta de novo:
– Teu pai é deputado?
Jorginho não sabe o que seja aquilo, mas diz que não, pelas dúvidas. Deve ser coisa
importante.
– Teu pai tem automóvel?
Jorginho sorri tristemente, negando.
– O meu tem – diz novamente em triunfo o garoto bem-nascido. - O meu tem. Um JK 61
que eu vou na escola, um 62 que ele vai pra cidade, o Oldsmobile da mamãe, a camioneta
do sítio, pra gente ir pra Petrópolis.
Jorginho está completamente esmagado. Paulinho sorri, orgulhoso. E agora ele nem
pergunta mais, apenas informa.
– O meu pai tem quarenta ternos de roupa, o teu não tem..
Jorginho sente-se o menor dos moleques do morro.
– O meu pai tem três casas de campo, o teu não tem!
Jorginho sente-se o menor dos moleques do Rio.
– O meu pai tem dez cavalos de corrida, aposto que o teu não tem!
Jorginho sente-se o menor dos moleques do Brasil.
– O meu pai tem mais de cem milhões de cruzeiros, garanto que o teu não tem!
Jorginho sente-se o menor dos moleques do mundo.
– O meu pai é amigo do governador, o teu não é, pronto!
Jorginho sente-se o menor de todos os mortais.
Mas Paulinho ainda não está satisfeito.
– O meu pai tem retrato no jornal, o teu não tem, taí!
É quando Jorginho pula vitorioso. Dessa vez tem resposta. Retira do bolsinho do calção
rasgado um pedaço amarfanhado de jornal. Exibe-o, peito cheio, orgulhoso no olhar.
– Isso não! O meu também tem.
E em tom de desafio, irretorquível:
– Tu pensa que é só teu pai que é ladrão?"
LESSA, Orígenes, “O. Mal-entendido”. In Madrugada. São Paulo: Moderna, 1989. p. 13-1

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